sexta-feira, 21 de novembro de 2008

DESEJO SEXUAL HIPOATIVO. CLÍNICA E EXAMES

Resumo: O autor conceitua os termos Desejo Sexual Hipoativo, Diminuição do Desejo Sexual, Síndrome Hipoandrogênica Feminina e Hipogonadismo Masculino Tardio. Chama a atenção para a freqüência e a sintomatologia desse quadro. Analisa a validade do exame físico. Faz considerações gerais sobre a ação dos androgênios na resposta sexual humana. Em relação às mulheres comenta sobre as dificuldades técnicas da dosagem dos androgênios e seu emprego na prática clínica. Conclui que a função sexual é muito complexa e não simplesmente uma decorrência de níveis hormonais. Em relação à mulher reconhece que a mensuração dos níveis de testosterona continua sendo um desafio à prática clínica. Isto se deve à baixa sensibilidade dos atuais ensaios comerciais disponíveis. E, finalmente, afirma que o diagnóstico de Desejo Sexual Hipoativo, quando relacionada a um hipoandrogenismo, é ainda muito baseado na sintomatologia clínica.
Palavras-chave: Desejo sexual hipoativo, Clínica, Exames complementares

Abstract: The author talks about the terms Hypoactive Sexual Drive, Reduction of Sexual Desire, Female Hypo androgenic Syndrome and Late Male Hypo gonadism. He calls attention to the frequency and the symptomatology of that illness. The validity of the physical exams is analyzed. The author also makes generals considerations about the action of androgenic drugs on the sexual human behavior. In relation to women he mentions the difficulties in prescribing them the right dosage of androgen and its use in medical practice. The author concludes that the sexual function is very complex and not simply a consequence of hormonal deficiency. The right measurement of level of testosterone is still a challenge in medical practice due to the low sensibility of currents commercial kits for women. And, finally, he reaffirms that the diagnose of Hypoactive Sexual Desire, when related to the hypo androgens syndrome, is yet largely based on clinical symptomatology.
Keywords: Hypoactive Sexual Drive, clinical symptomatology, exams



1. Conceito
O desejo sexual hipoativo e a inibição do desejo sexual são síndromes comuns ao homem e a mulher. Infelizmente o diferencial entre esses dois conceitos não é muito claro nem mesmo para os autores mais tradicionais. Em seu clássico trabalho A Nova Terapia Sexual Volume 2 - Desejo Sexual, Kaplan, no capitulo 1 dedicado à fisiologia da resposta sexual humana, afirma: “O indivíduo hipoativo é assexuado; porta-se como se seus circuitos estivessem ‘interrompidos’. Perde o interesse pelo assunto, não se entrega à gratificação erótica e, caso se apresente uma situação sexual, não se vale da oportunidade. Já na inibição do desejo sexual IDS, os indivíduos serão capazes de ereção, ou lubrificação-ingurgitamento e orgasmo, porém de modo mecânico, sem grande prazer”.
Parecia que Kaplan estabelecia um diferencial no diagnostico entre IDS e DSH baseado na intensidade da queixa. Mais adiante, entretanto, no Capitulo 4 sobre Definição, descrição e diagnóstico das Disfunções do Desejo, Kaplan aponta para outro critério a ser usado no diagnóstico diferencial dessas duas afecções. Diz ela: “Para clareza conceitual, o termo IDS é reservado para as situações de libido anormalmente baixa, em que foi feito diagnóstico etiológico, isto é, quando ficou estabelecido que o desejo sexual é inibido por fatores psíquicos. O termo DSH é preferível quando a etiologia da libido ainda não foi determinada”. Aqui parece que Kaplan quer estabelecer, e vai dizer isso com suas próprias palavras, que “a inibição do desejo sexual é somente uma entre as várias causas possíveis de comportamento assexual e o paciente pode desenvolver um padrão de evitação da sexualidade quer sinta ou não desejo sexual”. Pela mesma razão Kaplan critica o termo Evitação Sexual aplicado por Master e Johnson às pessoas com pouca freqüência sexual ou ausência de atividade sexual, por se tratar também somente de um determinante do DSH.
No DSM III da APA o termo utilizado é Inibição do Desejo Sexual. No tópico 302.71 aquela Instituição conceitua Disfunção Psicossexual com Inibição do Desejo Sexual da seguinte maneira:
Inibição persistente e difusa do desejo sexual. O juízo de inibição é feito pelo clínico que se baseia na idade, sexo, ocupação e depoimento subjetivo do indivíduo no que respeita à intensidade e freqüência do desejo sexual, ao conhecimento das normas de comportamento sexual e ao contexto de sua vida. Na prática esse diagnóstico será raramente usado, a menos que a ausência de desejo seja origem de angústia, tanto para o indivíduo como para o parceiro. Esta categoria será usada muitas vezes em conjunto com uma ou várias das outras categorias de disfunção. O distúrbio não é causado exclusivamente por fatores orgânico e não é sintomático de outra síndrome de clínica psiquiátrica.
Apesar das dúvidas conceituais os terapeutas sexuais, seguindo o proposto por Kaplan, tem utilizado mais freqüentemente o termo desejo sexual hipoativo para traduzir um quadro clínico identificado pela queixa de uma diminuição do desejo sexual deixando o conceito de Inibição do desejo sexual para um dos fatores determinantes desse quadro clínico.
Termos como Síndrome Hipoandrogênica Feminina e Hipoandrogenismo Tardio para designar uma baixa de libido respectivamente em mulheres climatéricas e em homens na andropausa sinalizam a vinculação da queixa de DSH à etiologia de redução dos níveis de testosterona nesses indivíduos
2. Freqüência.
Enquanto, como vimos, a DSM III estabeleça que esse diagnóstico deva ser raramente usado, Kaplan afirma que a falta desejo sexual é uma das queixas predominantes em sua clínica. Esta discrepância se justifica, entre outras coisas, pelo fato de que não se tem um consenso sobre o que seria o normal em desejo sexual. Os parâmetros de normalidade são deduzidos dos vários estudos estatísticos relativos à freqüência de ato sexual, de orgasmo, de pensamentos e fantasias sexuais, de masturbação etc. que só muito indiretamente estão medindo intensidade de desejo.
Por outro lado, na elaboração desses parâmetros, deverão ser consideradas diversas variáveis tais como idade, sexo, atividade profissional, individualidade etc. cuja participação, como fatores geradores de dificuldades de consenso, é fácil de se deduzir.
3. Sintomatologia
No sexo masculino, o DSH se confunde com as queixas que variam desde uma consciência por parte do indivíduo de que poderia ter um nível de desejo sexual mais intenso, até aquelas vinculadas a um quadro de hipogonadismo relacionada a uma diminuição dos níveis de andrógenos. Tais queixas podem incluir: fatiga; cansaço; sentimentos depressivos (tristeza, baixa autoestima, desânimo); disfunção erétil e obviamente diminuição do desejo sexual.
4. Exames
Não caberia, no presente trabalho, discutirmos sobre o mecanismo de ação dos diversos hormônios que atuam sobre o desejo sexual, muito menos na validade de sua utilização terapêutica até porque será o tema do expositor que nos segue.
Nos limitaremos no tópico Exames, que nos foi designado tratar, tecer comentários sobre o exame físico do paciente e de exames complementares a serem solicitados, muitos deles relacionados com o seu perfil hormonal.
Aqui fica evidente que se estará buscando determinar as causas orgânicas que, de uma forma absoluta ou associada a questões psíquicas, estão determinando a queixa de DSH. Vale lembrar que, de acordo com as normas de DSM III, não poderão ser rotulados de distúrbios da inibição do desejo sexual aqueles pacientes cujo fator determinante das queixas sejam exclusivamente de natureza orgânica. É fácil imaginar que tal situação será difícil de ser encontrada na prática convencidos que estamos de que a sexualidade é, basicamente, um fenômeno psicossomático.
4.1 Exame físico
A grande maioria dos indivíduos com queixa de DSH não apresentara qualquer alteração física relacionada a ela. No sexo masculino, em uns raros casos, o exame físico poderá revelar sinais de hipogonadismo como :
· diminuição da massa e do tônus muscular;
· aumento nos depósitos de tecido adiposo;
· escasso desenvolvimento sexo-genital na puberdade;
· ossos quebradiços;
· óligo ou azoospermia.
4.2. Papel dos Androgênios na Função Sexual
Os Androgênios são importantes na sexualidade e no bem estar geral do homem e da mulher. Níveis séricos reduzidos contribuem para um declínio da libido.
Nos homens o dado mais contundente da importância dos androgênios na manutenção do desejo sexual é a relação entre essa queixa e os quadros de hipogonadismo.
Nas mulheres a testosterona é primariamente responsável pela manutenção da motivação e do interesse sexual e os níveis reduzidos desse hormônio estão associados com o declínio da motivação entre elas. Demonstrou-se melhora mais acentuada da sexualidade em mulheres climatéricas tratadas com reposição hormonal contendo testosterona, quando comparadas com mulheres usando reposição apenas. com estrogênio
A prova mais convincente do papel dos androgênios na função sexual feminina vem de estudos controlados, prospectivos, de mulheres que foram submetidas à menopausa cirúrgica (ooforectomia), mostrando que a utilização de androgênios mantivera o interesse sexual depois da cirurgia, enquanto que estrogênios e placebo, não. Há quem acredite que as alterações da libido têm relação com os androgênios, mas não guarda direta proporção com a concentração plasmática dos mesmos e sim com a forma com que agem nos órgãos alvos.
Para tentar estabelecer uma relação entre os níveis de androgênios e a função sexual é necessário antes discorrer sobre a sua fisiologia.
A testosterona, junto com o seu metabólito diidrotestosterona (DHT), é o andrógeno mais potente tanto no homem como na mulher. É também o precursor mais importante dos estrogênios. Testosterona é secretada pelos ovários e formada, perifericamente, a partir de precursores, como a androstenediona, DHEA e SDHEA.
Tanto os ovários como as adrenais secretam androstenediona e deidroepiandrosterona (DHEA) e as adrenais produzem também sulfato de deidroepiandrosterona (SDHEA). Depois de uma ooforectomia, tanto os níveis de testosterona como de androstenediona, caem em 50 %.
Os androgênios são produzidos no ovário pelas células tecais sobre controle do hormônio luteinizante (LH). A secreção de DHEA é influenciada pelo hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), já o SDHEA, não.
A testosterona é convertida em diidrotestosterona pela 5a-reductase, presente em tecidos periféricos. Estudos imunocitoquímicos demostraram maiores quantidades de 5a-reductase em homens do que em mulheres.
Numa situação fisiológica normal, mais de 98% da testosterona circulante na mulher está ligada a globulinas carregadoras de hormônios sexuais (SHBG). Essa globulina ( SHBG ) se liga, por ordem decrescente de afinidade, com a DHT, testosterona, androstenediona, estradiol, estrona e DHEA. A SHBG não se liga com a SDHEA.
Flutuações nos níveis de SHBG afetam a quantidade de testosterona livre (biodisponível). Assim, o aumento na quantidade de estradiol circulante, como se verifica nas terapias de reposição hormonal com estrogênio exógeno e na gravidez, aumenta o SHBG e, assim, diminui a quantidade de testosterona biodisponível.
Durante o ciclo menstrual normal, a androstenediona e a testosterona plasmáticas aumentam na segunda metade do ciclo.
Os níveis de testosterona declinam com o passar dos anos, e por volta dos 40 anos os níveis plasmáticos estão pela metade, quando comparados com o de mulheres com 20 anos. SDHEA e DHEA também declinam com a idade, prejudicando ainda mais a fabricação de testosterona. No climatério e na pós-menopausa, a conversão periférica de androstenediona em testosterona, se torna a principal fonte deste hormônio.
Caso se deseje avaliar laboratorialmente a perda da libido em mulheres climatéricas, estaria indicado dosar o nível de testosterona sérico, porém estudos recentes demonstraram uma maior relação entre a libido e a atividade da 5a-reductase, do que com o nível plasmático de testosterona..
4.3. Diagnóstico laboratorial
Androgênios
Testosterona circula no sangue na quase sua totalidade (98%) ligado a proteínas séricas, principalmente SHBG (globulina ligadora de hormônios sexuais) e albumina. Somente 1% a 2% da testosterona sérica é livre de ligação protéica.
A SHBG, portanto uma globulina, se liga à T (testosterona) com alta afinidade. A testosterona TB ligada à SHBG (SHBG-bound T) não seria disponível para dissociação em tecidos alvos via clássico mecanismo de receptor de andrógeno. Ao contrário, a albumina se liga à testosterona com baixa afinidade e a dissociação da testosterona ligada à albumina é rápida. Assim, tanto Ta ligada à albumina como a TL livre, se considera que sejam disponíveis a tecidos alvos para ação androgênica. A soma da testosterona ligada à albumina mais a trestosterona livre é conhecida como testosterona biodisponível (TB).
Para a dosagem de T total ( TB + Ta.+ TL ) os laboratórios clínicos utilizam kits comerciais de RIA e imunoensaios do tipo competitivo que utilizam a tecnologia de quimioluminescência. Esses ensaios de T total usam como padrão e níveis de referência, valores fornecidos pelo fabricante.
Dosagem de testosterona no sexo masculino
Os valores normais de testosterona total para o sexo masculino são de 240 a 820 ng/dl. Outro usa imunoensaio do tipo competitivo que usa a tecnologia de quimioluminescência e o valor de referência para homens adultos é de 300 a 1.000 ng/dl. Outro laboratório usa RIA e a referência para homem adulto é de 280 a 1.100 ng/dl.
A testosterona livre pode ser dosada pelo método direto com RIA com kit comercial cujos valores de referência podem variar de 13,0 a 50,0 pg/ml em um laboratório a 8,7 a 54 pg/ml em outro.
Tanto testosterona livre e biodisponível podem ser calculadas tendo como base à dosagem de SHBG e de testosterona total, empregando complicadas fórmulas matemáticas.
Como podem ocorrer variações semanais na dosagem de testosterona principalmente no homem mais velho cujos níveis de testosterona flutuam entre o limite baixo do normal e levemente abaixo do normal realizar pelo menos duas dosagens de testosterona para confirmar o diagnóstico de hipogonadismo.
A dosagem de testosterona na saliva poderá ser útil para estudar perfis hormonais de grande número de indivíduos, com correlações válidas com as dosagens de testosterona no soro.
Dosagem de testosterona no sexo feminino
A maioria de métodos para medir testosterona em mulheres é bastante imprecisa e tornam-se mesmo não confiáveis quando os níveis sanguíneos de testosterona são baixos. O exame deve ser feito preferentemente 8:00 e 10:00 horas da manhã já que os níveis de testosterona variam ao longo do dia. Para as mulheres que têm ciclos regulares, o exame não deve ser feito durante a fase menstrual porque os níveis de testosterona são baixos neste período; idealmente o exame pode ser feito a partir do oitavo dia do ciclo.
Pesquisas recentes mostraram que, por essa imprecisão, não há uma relação direta entre níveis de testosterona e perda de libido e disfunção sexual. Conseqüentemente esses valores não podem ser usados para diagnosticar a insuficiência dos androgênios mas serão válidos tão somente para assegurar que esses níveis não estão elevados. Assim, a dosagem de testosterona, não poderia guiar uma reposição androgênica na mulher. Por outro lado todas as mulheres deveriam ter seus níveis de testosterona plasmática dosados antes de serem submetidas a tratamento de reposição androgênica, principalmente para excluir aquelas com níveis normais ou elevados da testosterona. Afinal, se não há, atualmente, definido um nível abaixo do qual se deva sugerir ou implementar uma reposição, é essencial que as mulheres com níveis normais ou elevados e não diagnosticados não sejam tratadas com os androgênios.
A terapia de reposição hormonal parece estar indicada em mulheres que se queixam de forma persistente de baixa da libido com comprometimento de sua qualidade de vida e de seu relacionamento interpessoal e nas quais o componente psicol´pogico possa ser nulo ou despresível. Isto é especialmente verdadeiro para aquelas que foram ooforectomizadas. Porém deve ser considerado que esse tipo de hormonioterapia esta exigindo estudos mais cuidadosos em relação a:
· uma definição mais clara das características da insuficiência androgênica em mulheres;
· desenvolvimento de métodos apropriados para aferição dos pequenos valores de testosterona encontradas entre elas
· disponibilidade de preparações de testosterona apropriadas para mulheres
· dados sobre a segurança do uso no mais longo prazo.

Outros testes de laboratório
5-A redutase
A atividade da 5a-reductase pode ser medida indiretamente pela determinação da relação entre os produtos da 5a-reductase (androsterona) e da 5ß-reductase (aetiocolanolona) na conversão de androstenediona. Estes hormônios são facilmente detectáveis na urina por espectometria. A relação entre a androsterona e aetiocolanolona urinárias é indicativa da atividade da enzima 5a-reductase.
Alguns autores já advogam o uso da mensuração da relação urinária de aetiocolanolona / androsterona para predizer que mulheres são mais predispostas a terem diminuição da libido no climatério e na pós-menopausa.
DHEA ( Dehidroepiandrosterona )
Pesquisadores australianos tem identificado a DHEA como um novo marcador para a baixa de libido em mulheres com mais de 45 anos, contrariando a corrente clássica que relaciona a baixa da libido com os níveis de testosterona.
Outros Exames
As mulheres devem ter excluído a possibilidade de patologia tiroidiana ou de anemia ferropriva como causas possíveis de seus sintomas.
5. Conclusões
A função sexual é um complexo e não simplesmente uma decorrência de níveis hormonais. Desejo sexual envolve um jogo intrincado de alterações biológicas tais como os hormônios e influencias psico-sociais como fatores relacionais, imagem corporal, envelhecimento, menopausa e expectativas sócio-culturais. O diagnóstico de DSH, quando relacionada a um hipoandrogenismo, é ainda muito baseado na sintomatologia clínica. Quanto aos dados laboratoriais no hipogonadismo masculino em pacientes jovens as dosagens de TL e TB, ainda que complexas, podem ser esclarecedoras; No hipoandrogenismo tardio considerando-se a ausência de parâmetros clinicamente úteis da atividade androgênica o limite inferior dos níveis plasmáticos de uma população jovem é usado como parâmetro para o diagnóstico de hipogonadismo masculino tardio ( 270 a 300 ng/dl ).
Na mulher a mensuração dos níveis de TL e TB continua sendo um desafio a prática clínica frente à baixa sensibilidade dos atuais ensaios comerciais disponíveis.